Ao longo da história da Bahia, a cultura afro-brasileira ganhou voz e força por meio dos blocos afro e dos afoxés. Fortemente ligados às religiões de matriz africana, os afoxés — originários da Bahia e conhecidos como um verdadeiro Candomblé de Rua — transformam os espaços por onde passam, que se tornam territórios sagrados no momento em que se evocam a energia dos ancestrais e das divindades africanas.
Durante o Carnaval de Salvador, esses grupos desfilam em cortejos que celebram a fé, a cultura e a ancestralidade africana, embalados pelo som de atabaques, agogôs, xequerês, criando um ritmo vibrante e envolvente.
Nascidos como expressões de resistência ao racismo e de valorização das raízes africanas, os afoxés ultrapassam o contexto carnavalesco, desempenhando um papel fundamental na luta por igualdade e na afirmação da identidade baiana. O Dia Municipal do Afoxé, celebrado em 30 de novembro, é ocasião em que o Visit Salvador da Bahia destaca e homenageia essa rica trajetória.
História e curiosidades
Os primeiros registros encontrados sobre os afoxés na Bahia datam do final do século XIX, mais precisamente de 1895, quando clubes negros, que tinham uma organização carnavalesca formalizada, passaram a receber postulações e visibilidade diversas dos afoxés da época.
A Embaixada Africana foi o primeiro afoxé, desfilando no Carnaval de 1895. O grupo Pândegos de África surgiu em 1898 e, assim como a Embaixada Africana, organizava seus desfiles com vistosos carros alegóricos e ricos figurinos. O maior e mais conhecido afoxé de Salvador – Filhos de Gandhy – foi formado em 1949 por estivadores, sua origem está vinculada com a ancestralidade africana e com a religiosidade do candomblé, e o nome tem como inspiração o grande líder e pacifista indiano Mahatma Gandhi (que havia sido assassinado no ano anterior).
Segundo o Livro do Registro Especial dos Eventos e Celebrações do IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, o Afoxé é uma manifestação carnavalesca composta pelo ritmo ijexá, cânticos, indumentárias, instrumentos musicais e ritual. Esses itens conjuntamente formam o Desfile de Afoxés – cortejo de rua.
Idealizados, na sua maioria, nos terreiros de candomblé, os afoxés trazem em suas insígnias a marca registrada da força que compõem os símbolos religiosos – o oxé de Xangô, o dourado de Oxum, o padê de Exu, o branco de Oxalá.
A definição etimológica para afoxé é múltipla, primeiro porque os estudiosos que observaram seus desfiles no século XIX não deixaram registros concisos quanto à denominação do termo. A formação original do afoxé era a seguinte: arautos (músicos anunciadores), guarda branca, rei, rainha, Babalotin, estandarte do afoxé (normalmente bordado a fios de ouro), guarda de honra e charanga (músicos que tocavam atabaques, agogôs, xequerês e afoxés). Todos os integrantes vestiam trajes principescos.
Conheça alguns afoxés de Salvador
Afoxé Filhos de Gandhy
Instagram: @gandhyoficial
O Afoxé Filhos de Gandhy, fundado em 1949 por estivadores do Porto de Salvador, é hoje o maior afoxé do carnaval baiano, reunindo mais de 10 mil homens. Inspirado nos princípios de paz e não-violência de Mahatma Gandhi, o bloco mantém forte ligação com a religiosidade de matriz africana, expressa nos cânticos em iorubá e no ritmo ijexá. Suas apresentações seguem rituais sagrados, como o padê para Exu no Pelourinho. Além de atuar no Carnaval, o grupo mantém atividades comunitárias durante todo o ano e participa de importantes celebrações religiosas, como a Lavagem do Bonfim, a de Itapuã e a Festa de Iemanjá.
Afoxé Filhas de Gandhy
Instagram: @afoxefilhasdegandhy
A Sociedade Recreativa e Cultural Afoxé Filhas de Gandhy é uma entidade filantrópica, fundada em 1979, reconhecida como Ponto de Cultura e desempenha um papel fundamental e inspirador no Carnaval da Bahia.Considerado pelas integrantes como o primeiro afoxé do Brasil formado exclusivamente por mulheres, o grupo é voltado para o empoderamento feminino e a valorização da diversidade cultural, sendo um símbolo de luta e resistência desde sua fundação. Reúne mulheres de diversos segmentos sociais e representantes de diferentes terreiros da capital baiana.
Afoxé Filhos do Congo
Instagram @filhosdocongo
O Afoxé Filhos do Congo é uma das mais importantes e longevas manifestações da cultura de matriz africana no Carnaval de Salvador, representando a força e a resistência do povo negro na Bahia. Sua história é marcada por três gerações que mantiveram viva a tradição do ijexá e a homenagem à ancestralidade banto. O ressurgimento em 1979, sob a liderança de Nadinho do Congo, consolidou o Afoxé como uma Associação Comunitária e Recreativa.
Afoxé Korin Efan
Instagram: @filhosdekorinefan
O Afoxé Filhos de Korin Efan, localizado na rua do Passo nº 26, Santo Antônio Além do Carmo, foi fundado pelo mais antigo ogã alabê de Salvador, Erenilton, o Elemaxó da Casa de Oxumarê. Mestre Erenilton, falecido em 2014, era um profundo conhecedor dos cânticos sagrados das quatro principais nações da religião dos orixás — ketu, ijexá, jêje e angola. Em 2012, recebeu da Assembleia Legislativa o título de Mestre Popular, em reconhecimento à sua importância para a tradição musical e religiosa afro-baiana. Atualmente, o afoxé é presidido por sua filha, a advogada Elisângela Silva.
Além dos vibrantes desfiles realizados durante o carnaval, o Afoxé Korin Efan promove todos os anos, em dezembro, uma programação especial em homenagem a Santa Bárbara e Yansan, celebrando um dos períodos mais simbólicos do calendário religioso e cultural da Bahia. São quatro dias de festividades, de 1º a 4 de dezembro, marcados por celebrações, encontros e manifestações que exaltam a força, a coragem e a ancestralidade.
Grêmio Comunitário Cultural Olorum Baba Mi
Instagram @olorumbabami
No final da década de 1970, um grupo de amigos resolveu criar uma agremiação no bairro da Caixa D’Água, em Salvador. O objetivo era mostrar a cultura da comunidade nos desfiles do Carnaval. Com o passar dos anos, o Grêmio Comunitário Cultural Olorum Baba Mi se fortaleceu e resiste através de ações sociais e apresentações. Saiba mais neste link.
Por Fernanda Slama
Pesquisadora e jornalista
Fontes usadas nesta matéria:
Publicação Desfile de Afoxés, Cadernos do IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac – Gov); (Caderno em DPF)
Desfile dos Afoxés é patrimônio cultural da Bahia IPHAN
Dia Municipal do Afoxé é celebrado na Câmara Municipal de Salvador.
Afoxés – Patrimônio Cultural. Geledés.
“Afoxé Cultura Ancestral”: projeto propõe preservação e reconhecimento neste link.
Grupos de afoxés desfilam pelo Centro Histórico de Salvador em busca de reconhecimento cultural neste link.
Afoxés: O Candomblé de Rua na Cidade do Salvador. Lista completa UFBA
Afoxé Filhos de Gandhy conta com mais de 10 mil integrantes (Terra março 2025)
Muito além do Ilê: cinco blocos afro e afoxés que você deve conhecer, por Maysa Polcri e Larissa Almeida. (Correio 24h fevereiro de 2024)
Trajes do afoxé Filhos de Gandhy refletem ancestralidade e performance em cortejos (Jornal da USP 2023)
Recortes de jornais neste link.


