Espaço cultural, bar e restaurante
Ponto de encontro para gerações de artistas, amigos e manifestações artísticas
Em 2025, a Cantina da Lua, de Clarindo Silva, um dos mais emblemáticos espaços culturais da cidade, completa 80 anos de existência. Ao longo de todo esse tempo, o espaço reuniu artistas e amigos e se tornou referência nas mais diversas manifestações culturais do Centro Histórico, da famosa Terça da Bênção à Fundação Criançarte, entre tantas outras iniciativas.
Neste mesmo ano, também se completam 40 anos desde que o Centro Histórico de Salvador foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, em 1985, após ter sido previamente tombado pelo IPHAN, em 1984. São datas igualmente significativas para este endereço no coração do Pelourinho, sobretudo porque Mestre Calá — como Clarindo é chamado por seus pares — é um verdadeiro embaixador do Pelourinho.
Empresário, jornalista, escritor, poeta, compositor e agitador cultural, Clarindo Silva já passou pelos jornais A Tarde, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia. É criador da Festa da Bênção e um militante incansável pela revitalização e reativação do Centro Histórico de Salvador.
Clarindo Silva é daquelas personalidades que merecem ser homenageadas em vida, como forma de incentivo e reconhecimento pelo trabalho que desenvolve há décadas em prol da valorização do Centro Histórico. Afinal, já são mais de 50 anos de militância cultural.
A casa do samba
Ponto de encontro dos sambistas de Salvador, o restaurante foi palco de inúmeros lançamentos de LPs, entre eles clássicos como “Samba da Bahia” (1973), que marcou a estreia de Batatinha, Riachão e Panela no cenário fonográfico, e “Sonho do Malandro” (1981), primeiro álbum solo de Riachão.
Conhecida como “quartel-general do samba de Salvador”, abrigou em sua inauguração do Projeto Cultural Cantina da Lua o show Os Onze de Ouro, com grandes nomes do gênero, em um palco improvisado ao redor do restaurante, reunindo Batatinha, Riachão, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Claudete Macedo, Tuninha Luna, Walmir Lima, Paulinho Camafeu, Nelson Rufino, Tião Motorista e Bob Laô. Uma seleção de ouro!
A ligação com o samba nunca se rompeu. Essa ligação segue viva: em 2024, o espaço recebeu a festa Suco de Bahia, idealizada por Taian Paim — cantor, compositor, neto do mestre Riachão e idealizador da festa — tem o samba como guia, mas, com espírito anfitrião, deixa que o evento dialogue também com outros ritmos, como arrocha, pagode e seresta, sempre recebendo convidados para essa mistura.
Em 2025, o “Suco de Bahia” cresceu e passou a ocupar também outros espaços, sem perder suas raízes na Cantina da Lua.
Festa da Benção
Em 1983 surgiu o evento considerado o principal impulsionador do processo de revitalização do Centro Histórico de Salvador nos anos 1980: a Festa da Bênção — que, por acontecer tradicionalmente na terça-feira, ficou mais conhecida como Terça da Bênção. Desde o início, contou com a adesão do Olodum, que fixou a terça-feira como dia oficial de ensaio do bloco, e dos Filhos de Gandhy, que criaram a Seresta do Gandhy no mesmo dia da semana. Também se juntou à celebração o Commanche do Pelô, tradicional bloco de índio da região central da cidade, liderado por Jorginho Commancheiro, criador da expressão “Pelô”.
No primeiro aniversário da Festa da Bênção, em 1984, o Projeto Cultural Cantina da Lua trouxe a cantora e atriz Zezé Motta, atraindo mais de duas mil pessoas ao Terreiro de Jesus. Já a celebração dos 30 anos, em outubro de 2013, homenageou o compositor Paulinho Camafeu e contou com um grande show, que reuniu ainda Gilberto Gil, Armandinho e Luiz Caldas.
Guardião do Pelourinho:
O começo desta história
O casarão que hoje abriga a Cantina da Lua tem uma trajetória longa e marcante. Em 28 de abril de 1945, Renato Santos inaugurou o restaurante, ocupando duas portas do casarão de nº 2 da Praça Quinze de Novembro, popularmente conhecida como Terreiro de Jesus. Anos depois, Clarindo Silva, que já trabalhava no local — então chamado Bazar Americano — arrendou o estabelecimento e o reinaugurou em 15 de abril de 1971 com o nome que se tornaria célebre: Cantina da Lua.
Ponto de efervescência e resistência cultural
A partir da década de 1970, o espaço se transformou em um polo de efervescência e resistência cultural no Centro Histórico de Salvador, reunindo artistas, sambistas, jornalistas, intelectuais, radialistas, políticos e a comunidade local. Nesse mesmo período, Clarindo Silva participou da criação do Revicentro, movimento em defesa da revitalização do centro da cidade.
No final da década, a Cantina consolidou-se como importante espaço cultural e boêmio de Salvador, sediando exposições de arte, lançamentos de livros, programas radiofônicos, apresentações musicais, desfiles de moda, peças teatrais, exibições de filmes e diversas outras atividades. O Revicentro, no entanto, acabou enfraquecido por manobras políticas e deixou de existir em 1979.
Carta da Cantina da Lua ao Papa João Paulo II
Em uma solenidade realizada na Catedral Basílica de Salvador, Clarindo Silva entregou ao Papa João Paulo II a chamada Carta da Cantina da Lua, denunciando a degradação crescente do Centro Histórico, a esterilização de mulheres negras, o ódio racial, a mortalidade infantil e o abandono da Igreja da Barroquinha e da Faculdade de Medicina da Bahia. O Pontífice comprometeu-se a incluir em suas orações a busca por soluções para os problemas relatados. Entre os 400 convidados presentes estavam figuras como Vovô do Ilê e Petú do Olodum. Clarindo considera esse um dos momentos mais marcantes de sua vida.
Prefeitura Cantina da Lua
Entre os muitos feitos da Cantina da Lua, destaca-se o fato inusitado de ter sediado, de forma simbólica e prática, uma prefeitura. Em 1986, durante o início de seu segundo mandato, Mário Kertész instalou ali o seu gabinete enquanto o Palácio Thomé de Souza passava por reformas.
Associação dos Comerciantes do Centro Histórico de Salvador (Acopelô)
Entre 2002 e 2005, Clarindo Silva reestruturou a Associação dos Comerciantes do Centro Histórico de Salvador (Acopelô), dando novo protagonismo à entidade, criando parcerias, cursos e um informativo para os comerciantes do Centro Histórico. Também apoiou a organização dos trabalhadores informais, estimulando associações de ambulantes e barraqueiros. Retornou à presidência em 2016, permanecendo até 2019.
Um dos mais antigos restaurantes do Centro Histórico
O restaurante de Clarindo Silva acompanhou a transformação do Pelourinho. O casarão, situado na esquina da antiga Rua Portas do Carmo com o Terreiro de Jesus, tem sua história entrelaçada, de forma definitiva, ao enredo da vida de Mestre Calá.
Do salão, é possível observar a movimentação de capoeiristas, turistas e moradores no Terreiro de Jesus. O ambiente é animado e oferece petiscos como lambreta, moela de frango e ovos coloridos, entre outros. Entre os pratos principais, destacam-se a famosa Feijoada da Lua e o Angu Encubado, já degustados por personalidades como Gilberto Gil, Nelson Rufino, Pinduca, Bete Mendes e Carlinhos Brown. Para acompanhar, além da cerveja sempre gelada, a casa serve bebidas tradicionais como batida de pitanga, batida Gabriela, caipirinha, caipirosca, caipiríssima e cravinho.
Serviço:
Cantina da Lua
@cantinadalua
Largo Terreiro de Jesus, 2 – Pelourinho, Salvador – BA
Tel: (71) 3266-5020