A música de terreiro na Bahia é uma manifestação cultural e religiosa de profunda relevância, enraizada nas tradições — especialmente no Candomblé — e que se expande para o cenário artístico como um vetor de ancestralidade e resistência. Essa expressão musical transcende o espaço sagrado e influencia diretamente a música popular brasileira, carregando a força rítmica e lírica das religiões de matriz africana.
O movimento de Música Ancestral em Salvador representa uma profunda e inovadora fusão entre a riqueza percussiva e espiritual da cultura afro-brasileira, a energia vibrante do samba duro e a sofisticação da música erudita e jazzística.
Conheça nove representantes desse movimento cultural, dedicado a preservar, difundir e valorizar a rica musicalidade dos terreiros. Esses projetos tecem uma ponte sonora entre a ancestralidade e a contemporaneidade.
Os Tincoãs
Considerado um grupo precursor e revolucionário, Os Tincoãs surgiu na década de 1960 e deixou um legado inestimável para a música brasileira. Formado por Mateus Aleluia, Dadinho e Heraldo, o trio foi um dos primeiros a levar os cantos de candomblé, as rezas e os sambas de roda ao grande público, em uma época em que essas manifestações culturais ainda eram marginalizadas.
O grupo se destacou por criar harmonias vocais sofisticadas e etéreas, que ressignificaram a música de matriz africana. Eles não apenas cantavam sobre os orixás, mas incorporavam a cadência e a espiritualidade dos terreiros em suas composições. A reafricanização da música baiana promovida por Os Tincoãs abriu caminho para uma nova geração de artistas dedicados à temática ancestral, influenciando diretamente movimentos e obras como as de Letieres Leite e Ubiratan Marques.
A música ancestral da Orkestra Rumpilezz
Criada em 2006 pelo saudoso maestro, compositor e arranjador Letieres Leite (1959–2021), a Orkestra Rumpilezz é um aclamado conjunto de percussão e sopros que revolucionou a música baiana. O nome do grupo vem dos três atabaques sagrados do Candomblé — Rum, Rumpi e Lé.
Letieres desenvolveu o método “Música de Roda”, que aplica a lógica rítmica dos toques de Candomblé e do Samba de Roda a uma linguagem harmônica moderna, com influências do jazz e da música erudita. A Orkestra Rumpilezz tornou-se o principal expoente dessa fusão, celebrando as raízes afro-baianas e oferecendo uma leitura contemporânea da música ancestral da Bahia.
Orquestra Afrosinfônica
Idealizada pelo maestro Ubiratan Marques, a Orquestra Afrosinfônica une a tradição musical africana à estrutura sinfônica ocidental. Marques, criador do termo “Afrosinfônica”, define essa estética como uma proposta que vai além da fusão, orquestrando com profundidade os ritmos de matriz africana. Formada por músicos que transitam entre o popular e o erudito, a orquestra utiliza instrumentos sinfônicos — como cordas, madeiras e metais — para dar voz e grandeza à musicalidade dos orixás, do samba e de outros gêneros afro-brasileiros.
Projeto PRADARRUM
O projeto, idealizado por Gabi Guedes e co-dirigido por seu sobrinho, o guitarrista e arranjador Felipe Guedes, nasceu com a missão de traduzir a complexidade e a beleza dos ritmos do candomblé para um público mais amplo. A proposta do grupo é ousada e inovadora: fundir os toques tradicionais de Ilú, Ijexá, Alujá e Kabila – oriundos das nações Ketu, Jeje e Angola – com a energia contagiante da salsa, do samba, do funk, do jazz e do afrobeat.
Nascido e criado no Alto do Gantois – região que abriga importantes terreiros no bairro da Federação, em Salvador – Guedes cresceu sob a batuta da ialorixá Mãe Menininha. Ícone da música percussiva baiana, sua trajetória se entrelaça profundamente com a história e a espiritualidade dos terreiros de candomblé. O PRADARRUM integra um movimento cultural dedicado a preservar, difundir e valorizar a rica musicalidade dos terreiros, tecendo uma ponte sonora entre ancestralidade e contemporaneidade. Saiba mais neste link.
A Orquestra que nasceu em um Terreiro
O grupo Aguidavi do Jêje é uma notável orquestra percussiva afro-brasileira que surgiu no seio do Terreiro do Bogum (Zoogodô Bogum Malê Rundó), no Engenho Velho da Federação. A orquestra, liderada por Mestre Luizinho do Jêje, mescla as tradições rítmicas das nações Jeje, Nagô e Angola do Candomblé e foi indicada ao Grammy Latino em 2024.
Cantigas dos Orixás
“Trilhas Urbanas”, com volumes dedicados às “Cantigas dos Orixás” (volumes 10, 11 e 12 – Xirê), é um projeto que visa preservar e divulgar as cantigas religiosas de matrizes africanas, gravadas por grupos diretamente ligados aos terreiros de Candomblé de Salvador. Na coleção de CDs lançada pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) estão disponíveis cantigas de Oxum, Oxóssi, Nanã, Oxumarê, Obaluaê e o Xirê dos Orixás.
A gravação das cantigas, que são a espinha dorsal da música de terreiro, foi realizada com a participação de importantes grupos e casas religiosas, incluindo o Ilê Fun Fun, do Terreiro da Casa Branca; o Mona Ngoma, do Terreiro Tumba Junçara; o Vodun Zo, localizado na Liberdade; o Ilê Axé Kalê Bokun, em Plataforma; e o Ilê Axé Jitolu, também na Liberdade.
Grupo Ofá
O Grupo Ofá, formado por integrantes da comunidade do tradicional Terreiro do Gantois, lançou o álbum ÌYÁ ÀGBÀ ṢIRÉ: O Poder do Sagrado Feminino em setembro de 2024. Sua música é uma fusão de matriz africana com arranjos contemporâneos, com repertório cantado em português e iorubá. O grupo também possui indicações ao Grammy Latino.
Projeto Irmãos no Couro e Alacorin
O projeto Irmãos no Couro, sediado no Nzo Tumba Junçara, no Engenho Velho da Federação, nasceu como uma escola de toques e se consolidou como uma orquestra. O projeto atua na preservação do saber ancestral, com foco em toques e cantigas, e na formação de bandas de samba de terreiro. O evento de oito anos do projeto, em setembro de 2025, contou com a participação do grupo Alacorin, que também se destaca no cenário do samba de terreiro em Salvador.
O grupo Alacorin, formado por candomblecistas do bairro de Itapuã, em Salvador, lançou seu primeiro single, intitulado “Deixe Eu Caminhar”, no final de 2024. Essa estreia marca um momento importante na trajetória do grupo, que vem se destacando no cenário musical baiano desde 2021. Conhecido por suas apresentações semanais de samba de terreiro no bar A Marujada, no Centro Histórico de Salvador, o Alacorin leva agora às plataformas digitais sua sonoridade única, que mescla as tradições do candomblé com o samba contemporâneo.


