Quem foi o homem do mar que armou saveiros para enfrentar a poderosa Marinha de Portugal
Reportagem: Camila Vieira / Secom PMS
As batalhas pela Independência do Brasil na Bahia também se estenderam para a Baía de Todos-os-Santos e uma das principais figuras para a vitória da população local foi o tenente João Francisco de Oliveira, mais conhecido como João das Botas. O marinheiro português aderiu à autoridade do príncipe Pedro de Alcântara e, com o vasto conhecimento que possuía, instruiu a população da Ilha de Itaparica na armação e comando dos barcos para combater a frota portuguesa, sendo decisivo para a Batalha da Independência.
Ele armou pequenos saveiros, treinou pescadores e venceu os temidos portugueses
A história de João das Botas no 3º episódio do podcast Quem Fez o 2 de Julho
João das Botas usou toda a sua expertise com o mar para vencer potentes e equipadas embarcações portuguesas em combates nas águas da Baía de Todos-os-Santos. Articulado e detentor de grande conhecimento da arte de navegação, consegue reunir pescadores da comunidade de Itaparica e transformar sua flotilha de saveiros em barcos de combate, improvisados com mini-canhões e peças de artilharia.
“João das Botas é um daqueles fenômenos clássicos de portugueses de nascimento que moravam no Brasil há algum tempo, mais ou menos há 20 ou 30 anos, já tinha formado família aqui e, na época da ruptura, acaba ficando ao lado dos brasileiros”, explica o jornalista e pesquisador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Jorge Ramos.
Inteligência
Para Ramos, João das Botas é um dos grandes responsáveis por importantes vitórias no contexto da guerra. Além de transformar as pequenas embarcações, escolheu para compor o seu grupo de batalha os pescadores, que eram exímios conhecedores da Baía de Todos-os-Santos, logo sabiam muito sobre o relevo marinho.
A estratégia foi fundamental, porque os barcos menores tinham mais elevação, além de facilidade de manejo e aproveitamento, e assim conseguiram vencer embarcações mais pesadas, a ponto de fazê-las naufragar. “A ação e inteligência de João das Botas foi fundamental. Ele foi marinheiro a vida toda, então como homem do mar ele usa todas as experiências a favor do Brasil”, frisa Ramos.
O marinheiro faz uso de um estaleiro naval que funcionava onde hoje é a Escola de Aprendiz de Marinheiro, depois do Elevador Lacerda, junto ao Mercado Modelo. À época, o local era uma pequena fábrica de navios artesanais, feitos de madeira. “Botas sabia a arte de construir embarcações. Quando vem a ruptura ele coloca todo o talento, a capacidade e toda a experiência a serviço do Brasil. Ele então equipa pequenas embarcações e monta seu exército para a guerra”, afirma o pesquisador.
Guardião do Recôncavo
João das Botas destacou-se como um dos principais responsáveis pela defesa naval da Ilha de Itaparica, no trecho entre a praia da Ponta de Areia e a Barra do Paraguaçu, diante das tropas portuguesas, sob o comando do Governador das Armas da Bahia, Inácio Luís Madeira de Melo. A intenção era evitar o domínio de Portugal e impedir o acesso aos três rios que descem do recôncavo para Salvador: o Jaguaribe, que passa por Nazaré das Farinhas, a vila mais produtora de alimentos da Bahia à época; o Subaé, que dá acesso a Santo Amaro e São Francisco do Conde; e o Rio Paraguaçu, o maior do Estado, que interliga Maragogipe, São Félix e Cachoeira. Nesta última, estava o governo rebelde da Bahia, à época.
“Itaparica era a entrada do Recôncavo. Então, se os portugueses a ocupassem, o destino da guerra seria outro. Daí então, as vitórias de João das Botas o tornam importantíssimo nesse processo”, explica o historiador. A sua bravura e vitórias conquistadas culminaram com o 2 de julho de 1823. Juntamente com o almirante britânico Lord Thomas Cochrane, primeiro comandante da esquadra brasileira, é um dos heróis da Marinha Brasileira.
Botas volta a lutar como um soldado em outras partes do Brasil, inclusive no Sul do país. Ele participou da Guerra da Cisplatina, entre 1825 e 1828, um conflito travado entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata pelo controle da Província Cisplatina, o atual Uruguai. Faleceu no Rio de Janeiro.
Reconhecimento e homenagens
O herói nomeia a Rua João das Botas, no Canela, bairro nobre de Salvador. Em 26 de julho de 2018, através da Lei Federal 13.697, teve o seu nome inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, que se encontra no “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, situado em Brasília, no Distrito Federal.
A atual Ponte do Funil, que liga a Ilha de Itaparica ao continente, é oficialmente conhecida como ponte João das Botas. Ainda em sua homenagem realiza-se anualmente, em Salvador, um evento náutico, a Regata João das Botas, promovida pela Capitania dos Portos, desde a década de 1970, entre os meses de janeiro e fevereiro.